Defendida há anos pelos deputados estaduais cearenses, a bandeira
pela criação de novos municípios tem sido frustrada, diante das
dificuldades que a pauta encontrou em nível nacional. Especialistas em
administração pública do Ceará e de outros estados consultados pelo
Diário do Nordeste ponderam que, hoje, o apoio à emancipação dos
distritos tem viés mais político do que técnico. Reconhecendo que esses
lugarejos enfrentam precariedades, os acadêmicos apontam para o
“contrassenso” de se criar novas estruturas administrativas sem
viabilidade financeira.
Condições básicas
O professor de administração pública da Universidade de Brasília
(UnB) José Matias-Pereira esclarece que, antes de avaliar se determinada
localidade está apta à emancipação, é necessário analisar condições
básicas, como saúde, educação e autonomia financeira. “O que a realidade
brasileira tem mostrado é que a maior parte dos distritos que estão
querendo se tornar municípios, em princípio, não reúne essas condições”,
alerta.
Para manter suas receitas, a maioria das prefeituras depende do Fundo
de Participação dos Municípios (FPM) repassado pela União. Com a
criação de novas localidades, esses recursos não aumentarão, apenas
serão redistribuídos. “Muitas vezes, o que ocorre é que a separação
deixa a sede do município em situação muito ruim”, declara.
“São situações extremamente complexas e precisam ser examinadas com
muito cuidado, tendo os critérios técnicos e os pré-requisitos como
balizadores. O critério político tem que ser o último a ser analisado
nesse caso”, complementa o especialista, que se posiciona favorável ao
veto da presidência da República em relação ao aumento dos municípios.
Ele adianta que daqui a 40 dias, aproximadamente, o doutorado do qual
participa lançará uma pesquisa estimando os custos totais gerados com o
fracionamento dos municípios.
José Matias-Pereira diz acreditar que, em muitas situações, as
reivindicações pela emancipação são puxadas por poucas lideranças. O
docente acrescenta que a população deve ter voz ativa para cobrar a
garantia dos direitos sociais básicos, independentemente de morar num
distrito ou município, mas não é isso que tem ocorrido, opina. “A
criação de municípios precisa ter envolvimento de postura proativa da
população e não somente das lideranças”, justifica.
Nepotismo
Na avaliação do professor da UnB, há risco de as novas cidades já
surgirem reproduzindo o nepotismo. “A máquina burocrática começa a
abrigar filhos, sobrinhos, primos dos detentores do poder. É da nossa
cultura política. O cenário preocupa porque, em vez de ser canalizado
para a população, vai para a folha de pagamento”, diz.
O professor Mauro Osório da Silva, da Universidade Federal do Rio do
Janeiro (UFRJ), relata que o principal fator positivo trazido pela
emancipação dos distritos é a aproximação entre a população e o poder
público. Como aspecto negativo, ele cita a criação de uma estrutura
administrativa que inclui prefeitura e suas secretarias municipais,
câmara dos vereadores e todo o aparato de uma gestão pública.
Mauro Osório compara a situação à chamada “economia de escala”. Por
exemplo, uma única estrutura que serviria a 100 mil, ao ser duplicada
para atender a mesma quantidade de habitantes, dobra o valor dos custos.
“Em outros países, quando o município é pequeno, não precisa ter
câmaras que se reúnam todos os dias nem vereadores profissionalizados”,
indica.
Como solução alternativa à emancipação de distritos para reduzir as
desigualdades entre as localidades, o docente aponta a opção do
orçamento territorializado. Hoje, quando o Poder Executivo envia a
previsão de gastos do ano seguinte para ser aprovado no Legislativo, as
despesas são pensadas por áreas temáticas, como saúde e educação.
Entretanto, a gestão não se responsabiliza com a execução orçamentária
por regiões da cidade ou estado.
Transparente
“Nas grandes cidades, geralmente tem mais dinheiro gasto em bairros
de classe média e alta. Ficaria mais transparente. Muitas vezes, o
prefeito acaba fazendo obras na rua onde mora. A transparência é boa
para o cidadão e para o gestor de boa fé”, ressalta Osório da Silva.
Especialista em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV), Jorge Fernando Pinheiro destaca que é preciso avaliar a situação
financeira de cada localidade, mas acredita que em geral o discurso
político predomina sobre o técnico. “De maneira geral, o que tenho
presenciado é a tentativa de criar municípios inviáveis, seja pelo
tamanho, condições econômicas ou produtividade”, define.
Para Jorge Fernando, as prefeituras carecem de uma melhor
administração para democratizar as ações que contemplem os distritos. “A
solução seria uma melhor gestão pública, não é necessário que haja um
prefeito e uma câmara para que o município funcione bem, é uma tentativa
de ação política”, esclarece.
Fonte: Diário do Município
Nenhum comentário:
Postar um comentário