segunda-feira, 7 de abril de 2014

E O SONHO DE SERMOS MUNICÍPIOS....

O projeto do senador Mozarildo Cavalcanti restringe ainda mais o número de municípios que devem ser criados FOTO: Agência Senado
O projeto do senador Mozarildo Cavalcanti restringe ainda mais o número de municípios que devem ser criados FOTO: Agência Senado

Defendida há anos pelos deputados estaduais cearenses, a bandeira pela criação de novos municípios tem sido frustrada, diante das dificuldades que a pauta encontrou em nível nacional. Especialistas em administração pública do Ceará e de outros estados consultados pelo Diário do Nordeste ponderam que, hoje, o apoio à emancipação dos distritos tem viés mais político do que técnico. Reconhecendo que esses lugarejos enfrentam precariedades, os acadêmicos apontam para o “contrassenso” de se criar novas estruturas administrativas sem viabilidade financeira.
Condições básicas
O professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira esclarece que, antes de avaliar se determinada localidade está apta à emancipação, é necessário analisar condições básicas, como saúde, educação e autonomia financeira. “O que a realidade brasileira tem mostrado é que a maior parte dos distritos que estão querendo se tornar municípios, em princípio, não reúne essas condições”, alerta.
Para manter suas receitas, a maioria das prefeituras depende do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) repassado pela União. Com a criação de novas localidades, esses recursos não aumentarão, apenas serão redistribuídos. “Muitas vezes, o que ocorre é que a separação deixa a sede do município em situação muito ruim”, declara.
“São situações extremamente complexas e precisam ser examinadas com muito cuidado, tendo os critérios técnicos e os pré-requisitos como balizadores. O critério político tem que ser o último a ser analisado nesse caso”, complementa o especialista, que se posiciona favorável ao veto da presidência da República em relação ao aumento dos municípios. Ele adianta que daqui a 40 dias, aproximadamente, o doutorado do qual participa lançará uma pesquisa estimando os custos totais gerados com o fracionamento dos municípios.
José Matias-Pereira diz acreditar que, em muitas situações, as reivindicações pela emancipação são puxadas por poucas lideranças. O docente acrescenta que a população deve ter voz ativa para cobrar a garantia dos direitos sociais básicos, independentemente de morar num distrito ou município, mas não é isso que tem ocorrido, opina. “A criação de municípios precisa ter envolvimento de postura proativa da população e não somente das lideranças”, justifica.
Nepotismo
Na avaliação do professor da UnB, há risco de as novas cidades já surgirem reproduzindo o nepotismo. “A máquina burocrática começa a abrigar filhos, sobrinhos, primos dos detentores do poder. É da nossa cultura política. O cenário preocupa porque, em vez de ser canalizado para a população, vai para a folha de pagamento”, diz.
O professor Mauro Osório da Silva, da Universidade Federal do Rio do Janeiro (UFRJ), relata que o principal fator positivo trazido pela emancipação dos distritos é a aproximação entre a população e o poder público. Como aspecto negativo, ele cita a criação de uma estrutura administrativa que inclui prefeitura e suas secretarias municipais, câmara dos vereadores e todo o aparato de uma gestão pública.
Mauro Osório compara a situação à chamada “economia de escala”. Por exemplo, uma única estrutura que serviria a 100 mil, ao ser duplicada para atender a mesma quantidade de habitantes, dobra o valor dos custos. “Em outros países, quando o município é pequeno, não precisa ter câmaras que se reúnam todos os dias nem vereadores profissionalizados”, indica.
Como solução alternativa à emancipação de distritos para reduzir as desigualdades entre as localidades, o docente aponta a opção do orçamento territorializado. Hoje, quando o Poder Executivo envia a previsão de gastos do ano seguinte para ser aprovado no Legislativo, as despesas são pensadas por áreas temáticas, como saúde e educação. Entretanto, a gestão não se responsabiliza com a execução orçamentária por regiões da cidade ou estado.
Transparente
“Nas grandes cidades, geralmente tem mais dinheiro gasto em bairros de classe média e alta. Ficaria mais transparente. Muitas vezes, o prefeito acaba fazendo obras na rua onde mora. A transparência é boa para o cidadão e para o gestor de boa fé”, ressalta Osório da Silva.
Especialista em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Jorge Fernando Pinheiro destaca que é preciso avaliar a situação financeira de cada localidade, mas acredita que em geral o discurso político predomina sobre o técnico. “De maneira geral, o que tenho presenciado é a tentativa de criar municípios inviáveis, seja pelo tamanho, condições econômicas ou produtividade”, define.
Para Jorge Fernando, as prefeituras carecem de uma melhor administração para democratizar as ações que contemplem os distritos. “A solução seria uma melhor gestão pública, não é necessário que haja um prefeito e uma câmara para que o município funcione bem, é uma tentativa de ação política”, esclarece.

Fonte: Diário do Município